quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Reformulação Tática - A Importância de um Centroavante

Este post tem como objetivo falar sobre o Falso Nove, demonstrando a ascensão e o desgaste dessa função tática no Barcelona, além de explicar por que  hoje em dia o Barça precisa de um centroavante, debatendo as implicações advindas dessa necessidade.

Em 2008, quando Pep Guardiola assumiu o Barcelona, a formação titular do ataque do Barcelona teve Eto'o como centroavante junto Messi no lado direito e Henry no esquerdo. Essa formação fez o seu sucesso e foi dando certo durante aquela temporada, até o primeiro jogo contra o Chelsea pelas semifinais da Champions League, onde Messi, bem marcado por Bosingwa, fez uma má partida. Na sequência, o time tinha pela frente o Real Madrid no Santiago Bernabéu. O Barça tinha apenas um ponto de vantagem sobre o rival na liderança da competição, portanto o vencedor daquele jogo encaminharia o título, já que faltavam aquela e mais 4 rodadas para o fim. Entendendo a necessidade de inovar e surpreender, Guardiola lançou mão de um artifício antigo, mas nem tão conhecido: o Falso Nove.

O que é o Falso Nove?
Por definição, um Falso Nove é o jogador mais avançado da equipe, que não volta para marcar e se posiciona entre os defensores adversários enquanto a mesma se defende, mas enquanto o time recupera a bola e faz a transição ofensiva, ele recua e se posiciona um meia ofensivo, flutuando entre a defesa e o meio campo do time adversário, geralmente com liberdade também pra cair pelos lados e ir à frente para finalizar, além de criar jogadas. Esse truque confunde os zagueiros adversários, que não sabem se guardam sua posição, sendo que não há a quem marcar e deixando o Falso Nove livre, ou sobem acompanhando o Falso Nove, deixando a retaguarda vazia e facilitando a penetração diagonal de pontas ou a subida dos meias. Resumindo: centroavante sem a bola, meia com a bola, isso é o Falso Nove. O uso deste artifício remonta desde a Áustria da década de 30, com Matthias Sindelar. Teve outros exemplos ao longo da história como Nandor Hidegkuti na Hungria campeã olímpica de 1952, Sócrates no Corinthians de 1979, Maradona na argentina campeã do Mundo de 1986 e Francesco Totti, mais recentemente, na Roma dirigida por Luciano Spaletti.

Guardiola moveu Eto'o para a direita e Messi para o centro, para ser o Falso Nove. A experiência foi um sucesso. Durante o jogo, o que se viu foi um Real Madrid completamente atrapalhado com defensores desorientados que mordiam a isca de Lionel Messi, que se deu muito bem por ali e fez boa partida. Quando Zlatan Ibrahimovic chegou ao Barça, Messi voltou à direita, mas a má fase do sueco, na segunda metade da temporada 2009/2010, trouxe Messi de novo para a função de Falso Nove. À medida que crescia como jogador, fazia uma quantidade absurda de gols, empilhava prêmios pessoais e títulos para o Barça, o time não ia sentindo falta de um centroavante de ofício jogando naquela posição. Mas não para sempre.

Os oponentes, após um bom tempo no qual viam o sucesso da equipe catalã e de seu craque que enganava as defesas ao seu bel-prazer, encontraram o antídoto para o Falso Nove: aproximar a linda de defesa da de meio campo, para encurtar o espaço do argentino e isolá-lo entre essas duas linhas e se posicionar bastante atrás. Os adversários até então costumavam deixar um espaço grande que Messi aproveitava, entre defesa e meio campo, como no exemplo:


Mas após essa adaptação, começaram a se postar de modo a deixar um espaço muito menor. Exemplos:



A marcação esquematizada é difícil de ser quebrada, ao contrário da individual, e os gols de Messi passaram a minguar contra equipes grandes. Obviamente Messi em uma capacidade gigantesca de drible para superar essa marcação também, mas qualquer jogador se torna mais perigoso quando tem mais espaço para jogar.

Na partida contra o Milan no Camp Nou, pela volta das oitavas de finais da Champions League de 2012/2013, o time apresentou uma formação pra sair dessa marcação e deixar o argentino mais livre de novo: Deixá-lo entre o meio e a direita, lado onde gosta de aparecer, e colocar um centroavante, naquele caso, David Villa, à frente dele. O resultado foi a melhor exibição do Barcelona na temporada e uma expressiva vitória por 4x0 que classificou o clube para as quartas de finais. Abaixo, uma representação do esquema tático usado nessa partida.


O grande trunfo do centroavante nesses casos é atrair a defesa para si com sua presença de área enquanto Messi fica menos marcado um pouco atrás,  mais livre para influenciar no jogo e decidir. Nas imagens abaixo, um exemplo disso: no amistoso contra o Santos, Jean Marie Dongou (circulado em vermelho) corre em direção ao gol, atraindo marcadores que deixam o espaço livre(1) para ser aproveitado por Cesc Fàbregas, quem vem de trás(2). Além do mais, um centroavante alto ajudaria muito nas bolas paradas ofensivas e defensivas, problema quase crônico do Barça.

1


2

Mas será que Messi ficaria limitado ou ofuscado nesse sistema?

Particularmente, acredito que não.

Como já dito, é nessa mesma posição de meia que ele joga sendo o Falso Nove quando o time está no ataque. Ele permaneceria lá e com toda a liberdade de movimentação (inclusive para partir para a finalização), só que agora menos marcado, já que haveria um jogador para atrair marcadores. Há também a opção de movê-lo para a ponta direita, da qual não sou adepto (só em casos de real necessidade), pois concordo com a idéia de Guardiola que o jogador de mais técnica deve ficar no meio para exercer mais influência no jogo (motivo pelo qual ele moveu Lahm para a posição de volante no Bayern). Ele já joga por trás de um centroavante na seleção argentina e dizem inclusive que ele mesmo teria pedido que se fizesse essa alteração no Barcelona. Faz muitos gols e também dá muitos passes. Messi não é só um finalizador: tem um poder de criação de jogadas, provavelmente o melhor do mundo também nessa função. Por que não aproveitar essas duas facetas? Quando se tem um craque do quilate dele, deve-se extrair o máximo de suas capacidades. Talvez, essa alteração o fizesse marcar por volta de 15 gols a menos na temporada, mas ele geraria mais do que o dobro. E não, ele não é individualista ao ponto de se incomodar com isso, muito pelo contrário. E vamos lembrar, ter um Barcelona cada vez melhor é mais importante que determinado jogador empilhar gols e prêmios individuais.

Sendo o jogador que é, obviamente Messi não deixaria de receber marcação reforçada. Mas um centroavante qualificado poderia se beneficiar amplamente disso se posicionando nos espaços vazios que os marcadores deixarão ao abandonar suas posições para seguir Messi a fim de receber bolas com liberdade e marcar gols. Um exemplo na imagem abaixo: Keita e Bojan (circulados respectivamente em vermelho e verde) desmarcados enquanto a defesa se concentra em Messi, em uma partida contra o Atlético de Madrid pela Copa do Rey de 2008/2009.


A entrada de um centroavante implicaria uma mudança tática? Sim. E as opções são muitas.  Quem seria o centroavante do Barça? Isso tudo é assunto pra outro post.